sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Por que chora, Coréia do Norte?

Por Felipe Nogueira Monteiro
                Recentemente, vi uma reportagem que chamou muito minha atenção e creio que foi do mundo inteiro: o choro indiscriminado dos norte-coreanos, “enlutados” pela morte do seu líder, o ditador Kim-Jong-Il. Em um pais fechado e isolado como a Coréia do Norte, e ainda mais, perigoso, o que se esconde por trás dessas lágrimas? Será que a História nos dá uma dica?
                A Península da Coréia é uma região historicamente de conflito desde meados do século XIX. Sofreu com a invasão e ocupação japonesa na Segunda Guerra Mundial, e depois de expulsos de seu território, passaram a ser ocupados por forças soviéticas (até dezembro de 1948) e forças norte-americanas (junho de 1949). É nesse período que tem inicio a Guerra Fria e vai opor as superpotências do mundo bipolar: justamente a URSS e os EUA.
Kim-Jong-Sun e seu filho, Kim-Jong-Il.
                Na parte norte, durante a ocupação soviética, o Exército Vermelho organizou um governo no modelo soviético nesta região ainda em 1945. O país fez sua reforma agrária e nacionalizou empresas de toda ordem, e foi eleito um presidente: Kim-Jong-Sun, pai de Kim-Jong-Il. Sun é conhecido e respeitado até hoje, com o titulo de “presidente eterno”. Nasce assim em 1948, a Republica Democrática Popular da Coréia ou Coréia do Norte, apoiados pela China e pela URSS. Consequentemente, com o nascimento da Coréia do Sul e a evacuação dos EUA da região, a Coréia do Norte planejava a reunificação da península, levando à invadir a parte sul, dando inicio a Guerra da Coréia (1950-1953). Forças da ONU foram enviadas a região, mas do outro lado, enfrentaram uma Coréia do Norte com apoio militar chinês e logístico da URSS. No fim, três anos de conflito que mantiveram a península dividida. O paralelo 38 foi utilizado para demarcar a fronteira dos países, com reconhecimento da URSS e dos EUA. Essa região torna-se a mais militarizada do planeta.
Guerra da Coreia: Batalha na capital sul-coreana, Seul.
            
Somente em 1972, as Coréias assinaram um termo de não-beligerância, ou seja, tecnicamente estão em estado de guerra ainda, mas com uma trégua. Na Coréia do Norte, um estilo de viver se diferencia profundamente do seu vizinho do sul. Começa a crescer um culto a personalidade em torno do presidente Kim-Jong-Sung e o partido ganha status central. Ele é sucedido pelo seu filho em 1994 e Kim-Jong-Il herda esse culto a personalidade do líder. O país sofre profundamente com a crise dos anos 70, levando o governo a lançar um plano econômico, que será de grande sucesso em 1987. Com isso, a idéia de consolidar o socialismo ficou mais forte do que a reunificação nacional. A partir daí, acordos entre os dois países são assinados: na área nuclear e de reconciliação em 1991, o que levou a Coréia do Norte a normalizar suas relações com os EUA, em 1994. Mas isso durou pouco.
                Kim-Jong-Il voltou a desafiar o mundo recentemente. Antes de falecer, incentivou o desenvolvimento da mísseis de médio e longo alcance, que atingiriam alvos na China, no Japão e no Alasca, nos EUA. A Coréia do Norte possui o quarto maior exército do planeta (1,2 milhões de soldados), somente atrás da China, dos EUA e da Índia. Esses militares tem privilégios sobre os mais de 24 milhões de civis norte-coreanos, que fazem parte do “songun” (primeiro o Exército), que além do partido, é parte do poder do país. Além disso, realizou testes nucleares subterrâneos sem a devida inspeção da ONU, o que colocou todo o planeta em alerta. É importante salientar, que o presidente George W. Bush mencionava que a Coréia do Norte, junto a Irã e Iraque, faziam parte de um “Eixo do Mal”. A região da Coréias é altamente instável por todos esses fatores e suas implicações para os países envolvidos, e por isso, a morte de Kim-Jong-Il foi tão acompanhada pelas lideranças orientais e ocidentais: Com o líder morto, o que a Coréia do Norte vai fazer? Coréia do Sul, Estados Unidos, China e Japão intensificaram as consultas diplomáticas para evitar que uma mudança de governo na Coréia do Norte deixe a península coreana em pé de guerra.
Parada militar nos funerais do ditador Kim Jong Il, em dezembro de 2011.
                Felipe, mas o que o choro dos norte-coreanos tem a ver com tudo isso? É mais uma característica do Estado gigante e paterno que se tornou a Coréia do Norte. Sem mencionar o assistencialismo do governo na forma de reforma agrária e da nacionalização de serviços, o culto a personalidade do líder fez com que os norte-coreanos criassem uma dependência de pai para com filho, o que faz com que na falta dele, esses indivíduos ficam na situação de “filhos desamparados”. Isso é muito comum nas ditaduras e podemos ver isso ao longo da História: os milhares de brasileiros que acompanhavam e choravam pela morte de Getulio Vargas ou as secretárias e as “mães do Reich” que choravam aos pés de Hitler, pedindo que prosseguisse na luta, mesmo quando era impossível. Como não nos chega muita coisa da Coréia do Norte, devido ao seu intenso controle sobre a imprensa, não me surpreende que muito desse lamento tenha sido explorado também pelo governo. É comum ouvir expressões de “querido líder” ou "líder supremo do partido, do Estado e do Exército” na Coréia do Norte. Com a morte de Kim-Jung-Il, assume seu filho, Kim-Jong-Un, que já estudou na Suíça e já provou dos prazeres ocidentais, assim como seus irmãos, que já visitaram discretamente (com passaporte brasileiro!), a Disneylândia japonesa. Desde 2010, vem sendo preparado para substituir o pai, já recebendo o comando militar do país. Os principais desafios dele são diminuir a pobreza do país e esclarecer a política externa com seus vizinhos e os EUA, pois as negociações estão estagnadas desde 2009. Veja o que a agência de noticias norte-coreana diz:
"Temos que transformar esta tristeza em valor sob a direção de Kim Jong-un e temos que lutar para que a grande revolução tenha êxito neste momento difícil. O comando de Kim Jong-un é seguro e definitivo para cumprir a revolução e a brilhante sucessão.” (FOLHA, 19 de dezembro de 2011)

"O respeitado camarada Kim Jong-un é o líder supremo de nosso partido e do Exército, herdou a inteligência, a capacidade de comando, o caráter, o senso moral e o valor de Kim Jong-il" (FOLHA, 29 de dezembro de 2011).


Kim-Jong-Il e seu filho, Kim-Jong-Un, que já assumiu como"lider supremo da Coréia do Norte".
  
                Em síntese, a Coréia do Norte é exemplo perfeito e atual do Estado totalitário e repressor, de culto a personalidade, e isso fica evidente na sua população. Não quero aqui desconsiderar o apreço norte-coreano pelo seu líder, mas a exploração desse lamento na construção da imagem do líder morto é que tem que ser refletido. Falar nas Coréias é falar em paradoxos: enquanto no norte socialista, o país se fecha e mergulha na pobreza, o sul capitalista floresce como um modelo da economia de mercado da região, rica e prospera (sem mencionar os índices em educação). Com certeza, sempre indo e voltando, vai ainda ouvir se falar muito daquele pequeno país socialista do Oriente como ameaça militar em potencial. Só se espera que fique na ameaça, e não dê mais motivos para chorar.
Militares se curvam em respeito a memoria do lider morto, Kim-Jong-iL.

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