sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Por uma nova Rússia

Queda da estatua de Felix Djerzinski, fundador da agencia de inteligencia russa KGB. Era o fim da esfera sovietica.

Por Felipe Nogueira Monteiro
            25 de dezembro de 2011. Grandes eventos não serão realizados na Rússia. A 25 de dezembro de 1991, desaparecia da geopolítica mundial uma das maiores superpotências de todos os tempos: a União das Repúblicas Socialistas Soviética, a URSS. O mundo se chocava quando viram pela TV, o dirigente soviético Gorbachov passando a pasta com os códigos de lançamento das armas nucleares ao presidente da Federação Russa, Boris Yeltsin. E já faz 20 anos. Por muito tempo, 74 anos para ser exato, a bandeira vermelha, com a foice e o martelo, suscitou paixões e muito ódio, foi símbolo de libertação e ao mesmo tempo opressão, a URSS foi a maior rival e a principal aliada, foi alternativa e foi controversa. Enfim, o que dizer sobre o “urso soviético”?
Lenin e seus camaradas em Moscou
Czar Nicolau II e Alexandra, sua esposa.
            O sonho soviético começou a ser concretizado a partir da ruína do regime czarista de Nicolau II. Governando a Rússia a mão de ferro e iniciando um processo industrial sem precedentes no país (até então agrário), faz surgir uma nova classe: o operariado. Sucessões de derrotas marcam a derrocada do czar e o inicio da Revolução Russa, a partir de 1905. E em 1917, a Revolução ganha força, principalmente na liderança de Lênin, que segundo Eric Hobsbawn, é o personagem de maior impacto individual do século XX. Dado o golpe final no regime czarista, foi se organizando o modo de vida soviético, que cabe numa outra discussão. A partir de janeiro de 1918, as republicas vizinhas são anexadas a Rússia e formam a URSS, contando com a força do recém-formado Exército Vermelho. A revolução é bem sucedida e começa a ganhar o mundo, influenciando movimentos socialistas, principalmente na Europa dos anos 20. O padrão soviético se solidifica e se constrói com identidade, um “homem novo”. Com a morte de Lenin, Josef Stalin assume a presidencia e instaura um Estado totalitário e burocrata, era um retrocesso do que desejava Stalin. Alias, Lenin advertiu várias vezes sobre a ameaça que Stalin apresentava para os caminhos da revolução.
A divisão blindada alemã Das Reich avança sob territorio russo. Pouco tempo depois, seriam eles
que retornariam para proteger seu proprio territorio.
            O primeiro trunfo da URSS foi durante a Crise de 1929. Enquanto o mundo capitalista quebrava e se espalhava, levando falência e desemprego ao mundo, a União Soviética aumentava a produção industrial em quatro vezes, por meio dos Planos Quinquenais, liderados por Stalin, sucessor de Lênin na liderança do país. Com esse sucesso, o modelo soviético se exporta e cria antagonismos, como os regimes totalitários nazi-fascista. O mundo é surpreendido em agosto de 1939, quando a Alemanha Nazista assina com a URSS um pacto de não-agressão, uma vez que os dois regimes eram inimigos históricos. Em setembro, a Alemanha invade a Polônia e tem inicio a 2º Guerra Mundial. A URSS foi traída por Hitler, quando o mesmo autoriza a Operação Barbarossa ( operação de invasão a URSS, por Leningrado, Stalingrado e Moscou). Stalin, no entanto evoca os mitos históricos russos e convoca a população a lutar a “Grande Guerra Patriotica”. A nação perde 20 milhões de pessoas e organiza a retomada de territórios pelo Leste Euopeu. Vitória após vitoria, após uma terefa sangrenta, a URSS crava a bandeira vermelha em Berlim, sobre o Reichstag. O Exército Vermelho passa a ser a arma mais poderosa até então. A URSS alça a condição de superpotência.
Bandeira sovietica é hasteada sobre o Reichstag alemão. É o fim da guerra na Europa (1945).
            Com a explosão nuclear em Hiroshima e Nagasaki, a URSS passa a disputar poder e influencia mundial, com outra superpotência que havia triunfado no Pacifico: os EUA. Tinha inicio a Guerra Fria, marcada por uma corrida armamentista e espacial, além da disputa por áreas de influencia no mundo todo, por quase 50 anos.
Leonid Brejnev
             Após esse breve histórico, vem a questão: por que a URSS não deu certo? É este o tema central deste artigo, uma vez que faz 20 anos do fim da pátria do comunismo. É um tema complexo, pois apresenta não uma mais uma infinidade de problemas irremediáveis, que não estavam mantendo mais a “união” soviética. Com a morte de Stalin, em 1953, Nikita Krushev denuncia os crimes do antecessor e garante uma certa liberdade de expressão que não se via desde os anos 30. Mas com Leonid Brejnev, a situação volta o método stalinista. Atividades ilegais se misturam com atividades do governo, fazendo da burocracia comunista cada vez mais corrupta, fator esse que levou a correção por parte de Yuri Andropov, em 1982-1984. Eric Hobsbawn, em a Era dos Extremos: o breve século XX, deixa bem clara essa situação:


“Por outro lado, o termo nomenklatura, praticamente desconhecido antes de 1980, a não ser como parte do jargão administrativo do PCUS, passou a sugerir precisamente a fraqueza da interesseira burocracia do partido na era Brejnev: uma combinação de incompetência e corrupção. E na verdade, tornou-se cada vez mais evidente que a própria URSS operava basicamente por um sistema de patronato, nepotismo e suborno. [...] Os anos Brejnev iriam ser chamados pelos reformadores de “era da estagnação”. (HOBSBAWN, p.458)
            Durante os anos 70, a União Soviética começa a enfrentar problemas no campo econômico, político e militar. Muitos foram ligados a administração: sistema fortemente centralizado, que não permitia a flexibilização; baixa produtividade agrícola e industrial, para não dizer que a economia estava estagnada (falta de investimento em tecnologia e produtividade),falta de concorrência, o consumo exacerbado de recursos na corrida armamentista e espacial: como um país pode ir longe no espaço, se não consegue garantir o modo de vida de seus habitantes? Era comum crises de desabastecimento de gêneros alimentícios e vestuário. Isso fica evidente em questões de gerenciamento, como o acidente nuclear de Chernobyl, na Ucrânia e nos sucessivos problemas da estação espacial MIR. A economia esteve sempre vinculada ao preço do petróleo e do gás, e a crise soviética coincide com a crise do petróleo nos anos 70. Vladimir Putin, atual primeiro ministro e candidato a presidência, ascende ao poder em 1999 com a alta do petróleo, o que leva a muitos russos a crer no saudosismo e no retorno das “glórias soviéticas.”
Vale salientar a centralização política de Moscou, que sufocava o mosaico de nacionalidades que eram “republicas socialistas soviéticas”. Muitos levantes nacionalistas, pedindo independência, se levantaram e passaram a lutar, como a Hungria (desde a década de 50) e a antiga Tchecoslováquia (Primavera de Praga), e muitas lutam até hoje, como é o caso da Chechênia e da Ossétia. É evidente que a Rússia ainda sofre do mal de manter-se fiel as raízes ou voltar para o Ocidente (eurasianismo). O primeiro presidente da Federação Russa pós-sovietica, Boris Yeltsin, deixa claro essa situação, principalmente na visão da população:
"Não se pode esquecer que nos últimos anos da União Soviética a população vivia muito mal (...) Agora esquecem o que eram as lojas vazias, esquecem o que era temer expressar qualquer pensamento próprio que diferisse da linha geral do partido. E isto por nenhum motivo deve ser esquecido"
A queda do muro de Berlim em novembro de 1989, precipitou o fim dos regimes socialistas no
Leste Europeu e abriu caminho para a desintegração da URSS.

Mikhail Gorbachov (1985-1991)
            Em 1985, é eleito Mikhail Gorbachov, e ele já vinha com o fardo de solucionar toda essa situação e reformar o mundo soviético. Ele tinha um perfil totalmente diferente dos antecessores: dava entrevistas, era realista com a situação do pais, coisa que a censura não permitia que chegasse aos soviéticos. Criou-se um mito em torno dele: ele era adorado por ter colocado um ponto final na Guerra Fria e odiado por ter deixado tudo isso ocorrer. As primeiras medidas se pautam na glasnost (que prevê a liberdade de expressão) e a perestroika (que é a reestruturação econômica). Na relação com os EUA, a coexistência pacifica dá lugar a colaboração. É o primeiro dirigente soviético a estabelecer relações com o Vaticano, com o polonês João Paulo II (a URSS padecia em manter a Polônia sob seu poder). No campo militar, a URSS perdia o controle desde a queda do muro de Berlim, em 1989 e estava tentando conter revoltas nas republicas do Leste Europeu e uma intervenção no Afeganistão, que durara dez anos (1979-1989). Tudo isso causa um desprestigio aos militares, que organizarão um golpe contra Gorbachov, 19 de agosto de 1991, onde Gorbachov fica preso na Criméia. Em 25 de dezembro de 1991, Gorbachov renuncia e a união se esfacela, com a criação da Comunidade dos Estados Independentes. A Federação Russa assume todos os compromissos internacionais da antiga URSS. A velha bandeira vermelha vira peça de museu.
Vladimir Putin: eleito a pessoa do ano em 2000, sobr o titulo de
"Czar da nova Rússia".
            A União Soviética suscitou paixões e espalhou a revolução pelo mundo. Estimulou a Revolução Chinesa com Mao-Tse Tung, a Revolução Cubana de Fidel Castro, a fundação do PCB no Brasil, o regime fechado e agressivo da Coréia do Norte, além de financiar movimentos e guerrilhas no mundo todo. Uma nova Rússia nasceu dai, não para melhor: mergulhou em crise por 10 anos na sua transição para o capitalismo, a burocracia estatal passou a integrar o crime organizado, que manipula eleições e compra influência, como aconteceu recentemente. O poder torna-se cada vez mais autoritário e centralizador, oscilando entre um e outro candidato: ora Vladimir Putin, ora Dmitri Medvedev. Termos como “czar” sutilmente vem e voltam, alias fala-se num “neo-czarismo”. O autoritarismo flerta a atual Rússia com Vladimir Putin, que deseja voltar ao poder e aumentar o período de governo, e já faz isso, ao eliminar a oposição, como a prisão de muitos magnatas que caíram em fraudes bancárias e eram candidatos da oposição. É o próprio Putin que diz que o fim da URSS foi o maior catástrofe da geopolítica mundial do século XX.
Putin tentando amassar uma frigideira. É comum personagens autoritários aparecerem amassando ou retorcendo algo, enfrentando o frio sem camisa ou coisa parecida. É demonstrar força como peça de propaganda.
Forças sovieticas durante a campanha do Afeganistão 1979-1989.
Quanto ás repúblicas, poucas conseguiram obter êxito na transição: muitas ainda usufruem do modelo soviético, com forte dependência russa, outras ainda não se sabe o que é (ao mesmo tempo que se tem uma antiga agencia de inteligência KGB, á cinco quadras tem uma lanchonete McDonalds), e a maioria voltou suas atenções para o Ocidente, buscando seu lugar em desenvolvimento. Aliás, os países bálticos (Letônia, Lituânia e Estônia) associaram-se a União Européia e a OTAN, melhoraram sua condição de desenvolvimento, ao contrario do Turcomenistão, que como regime fechado, vive com uma população miserável. Conflitos entre essas ex-republicas soviéticas são raros, a citar a guerra civil no Tadjiquistão, em 1990 e a guerra de cinco dias contra a Geórgia, em 2008. Todas visando reforçar o poder de influencia russo na região, que agora tem que dividir espaço com o poder chinês.
Extensão maxima do imperio sovietico.

Jovens em festa de rua na Praça Vermelha de Moscou.
A atual juventude russa não conheceu as agruras sovieticas
e esta ambientada com as benesses do capitalismo.
            A capacidade militar russa ainda é inquestionável, mas a operacionalidade dele é duvidosa, uma vez que tem uma gestão compartilhada de seu arsenal nuclear, têm pelo menos 40 milhões de metralhadoras AK-47 espalhadas pelo mundo, na mão de terroristas e guerrilheiros, além de possuir muito mais um Exército politizado do que essencialmente militar. A Rússia atual ainda é saudosista de seu tempo de glória na política externa (movido pelo sentimento antiamericano), e isso não é visível só pela História. Busca isso ao tentar intermediar conflitos, desde os mais antigos, como os tratados de redução de armas nucleares (SALT 1972-1979) e os atuais, como os distúrbios civis da Síria e da Líbia, ou o incidente diplomático na embaixada do Reino Unido no Irã. Todos sem sucesso. Na população, isso também fica evidente: em grandes manifestações a bandeira vermelha aparece lá tremulando, uma ou outra referencia aparece. Esse sentimento é fortemente explorado na campanha de Putin.

            A Rússia atual não abriu mão de rivalidade soviética com os EUA. Em momento e outro, ela aparece. Recentemente, Barack Obama criticou o sistema democrático russo e o capitalismo “a moda russa”,totalmente oligárquico. Outro assunto é sobre o escudo antimissseis que os EUA desejam instalar na Europa Oriental, e que prontamente a Rússia respondeu instalando estações de radar em Kaliningrado. Socialmente, a atual Russia vive as benesses co capitalismo, a geração atual não viu as crises de abastecimento da era soviética e para eles a principal lembrança esta ligado a liberdade.
            Devo salientar o seu maior fruto: a China. Ao adotar o modelo soviético, transformá-lo e misturar a economia de mercado, a China torna-se o país a dar as cartas no mundo atual. Com a direção rígida do Partido Comunista Chinês, Europa e EUA aguardam ansiosamente o posicionamento chinês para salvá-los da atual crise econômica. A Rússia também é triunfo: recentemente os EUA estão enviando astronautas ao espaço por meio dos foguetes russos. Trunfo da Guerra Fria? Deixo ao caro leitor(a) refletir sobre.
            Caberia uma longa discussão aqui sobre o assunto, que demandaria mais artigos. Mas algumas coisas são evidentes: a queda do império soviético era um processo gradual de um sistema fechado, complexo e de difícil resolução de problemas estruturais; a dificuldade de se manter um mosaico de nacionalidades na forma da “União Soviética”. Enfim, a URSS acabou em si mesma, por suas estruturas corroídas pela corrupção e pelo seu gigantismo. A Federação Russa tenta recobrar seu tempo de glória, mas a política interna e externa provam o contrario. Pode-se dizer que com o fim da URSS, a instituição soviética desapareceu? Os recentes protestos por eleições livres e democráticas demonstram que o fantasma da URSS paira no ar da Rússia.

Protestos na Russia pedem maior democracia e transparencia nas eleições em 2011.


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