Palacio de Versalhes, sede do poder real francês |
Sem sombra de dúvida, o reinado de Luis XIV é um dos mais notáveis da França. É nesse periodo de tempo que se é possivel buscar as razões do esplendor do absolutismo no reinado de Luís XIV, de seu notável e exemplar reino na Europa, e por que é posto lado a lado de Napoleão Bonaparte e Charles De Gaulle, despertando o interesse do público e de historiadores. LEIA MAIS!
O período que se inicia o reinado de Luís XIV, remonta o tempo da regência de sua mãe, Ana da Áustria e da obra do cardeal Mazarin. Nesta regência, haverá a consolidação das instituições, mas para que isso acontecesse, era necessário o saneamento das finanças públicas, que estavam mergulhadas em meio a fraudes e irregularidades contábeis.Com o falecimento de Mazarin, Luís XIV convoca um conselho (“reduzido” ou “de “cúpula”), reservado apenas á ministros, sem a presença de príncipes e da regente.
Na terceira fase o papel pessoal do rei e dos ministros por ele nomeados desenvolveu-se: os assuntos desciam aos conselhos apenas por razões formais, enquanto os verdadeiros conselhos se transformavam em gabinetes administrativos. [...]. Em França este fenômeno é óbvio sob Luís XIV [...]. A transformação foi provocada pela lentidão do trabalho no sistema colegial, que deixou de dar resposta às necessidades crescentes do Estado.(HESPANHA, 1950, p.111)
Nesse conselho, Luís XIV demonstra todo o poder absoluto que demonstrará em seu reinado. E é nele que se expõe o esplendor absolutista: tudo estará centralizado nas mãos do rei. Segundo Omer Talon, em discurso de Janeiro de 1648:
O conhecido jurista francês sintetiza estes pontos de vista (largamente considerados em Inglaterra e em França): o poder soberano nas monarquias pertence ao rei; o seu poder é absoluto, isto é, tem plenos poderes em todos os aspectos. (HESPANHA, 1950, p.115)
A primeira década do reino, de 1661 a 1672, foi essencialmente dedicada à preparação interna das futuras aventuras externas. Nos aspectos administrativo, econômico e cultural, estes seriam os anos mais fulgurantes do governo de Luís XIV; quase todas as suas realizações mais duradouras dataram dessa fase. (ANDERSON, 1989, p.101)
Jean-Baptiste Colbert |
No aspecto administrativo e econômico, Luís XIV tinha seus secretários de Estado ao seu redor, e esse era seu intuito. As ordens de Sua Majestade eram transmitidas aos seus secretários , ministros e intendentes que levavam às províncias, exércitos, departamentos, entre outros. Todo esse corpo administrativo tinha o dever de manter o funcionamento do Estado em todos seus domínios.
A fonte de despesas do reino está no pagamento ao exército, despesas da marinha e da corte, a construção do palácio de Versalhes, além da manutenção e reparação de castelos. Demonstrava características de um Estado moderno, uma vez que é constituído secretárias e ministérios.
No fator econômico, o controlador-geral das Finanças, Jean-Baptiste Colbert, tinha o objetivo de enriquecer o reino, dando preferência a manufatura e artesanato em detrimento à agricultura. Ele acreditava que se vendesse mais do que comprasse, o reino enriqueceria, sem esquecer de criar barreiras para os produtos importados. Mas Colbert só esqueceria da concorrência de outros países, desencadeando uma verdadeira guerra fiscal na Europa. Quanto a guerra, é o fator que mais dava despesa ao reino, mas é o que contribuiu para o aumento do território.
As guerras daquele século seguiram um padrão infalivelmente tradicional. As pequenas anexações de território na Europa sempre adquiriram, na prática, maior prioridade que a defesa ou aquisição de colônias ultramarinas; o poder marítimo e comercial foi sacrificado ao militarismo territorial.(ANDERSON, 1989, p.110)
Luis XIV |
O exército é uma das marcas de seu governo, instituição esta temida em toda Europa. Luís XIV se preocupava com fronteiras seguras, que não possibilitassem a invasão do inimigo. Em muito dos conflitos, ele esteve presente, demonstrando o poder absoluto e a glória que se espalhava pela Europa. Por onde seu exército passava, destruía-se muralhas e saqueava-se aldeias, tudo de maneira implacável. Era um exército moderno: aumento dos efetivos; uso do fuzil, baioneta e granada (com seus respectivos regimentos), além de inovações na artilharia e cavalaria.
A guerra funcionava como meio de propaganda, em que segundo Hanna Arendt, é uma estratégia de intimidação e o uso deste exército devia ser o ultimo recurso a ser usado, devido a ineficiência política. A questão militar é importante no governo absolutista, pois fica demonstrado que os grandes investimentos e inovações nos exércitos de Luís XIV foram necessários para sanar os conflitos e demonstrar sua força.
Nicolau Maquiavel, em “O Príncipe”, (Luís XIV e o cardeal Mazarin eram leitores assíduos de Maquiavel), descreve que além do governante ter sutileza, astúcia e uma dose de crueldade, ele deve ter um exército bem armado. Isso se demonstra evidente no exército de Luís XIV, com suas notáveis inovações e aperfeiçoamentos. Ele utiliza boa parte de seu reinado em meio à guerras, um período de 33 anos.
Deve, pois, um príncipe não ter outro objetivo nem outro pensamento, nem tomar qualquer outra coisa para fazer, senão a guerra e a sua organização e disciplina, pois que é essa a única arte que compete a quem comanda. (MAQUIAVEL, 1515, apud GARCIA, 2006, p. 30)
Luis XIV ao lado de seus conselheiros |
A religião e a cultura são outros aspectos fortes no governo de Luís XIV. O período de seu reinado ainda passava pelos efeitos e conflitos da Reforma e Contra-Reforma. Chefe da Igreja da França, o rei exigia a mesma submissão geral desempenhada na política, acabando por agir sozinho numa luta contra jansenistas e protestantes, contrários a religião oficial. O que o Rei-Sol desejava, além da unidade política e econômica, uma unidade religiosa, que viu sendo ameaçada.
O desenvolvimento do jansenismo se dá com o holandês Cornélio Jansênio (1585-1638), em que se discute que Cristo morreu para salvar alguns eleitos, não todos os homens. Em 1709, o clero condena as preposições heréticas de Jansênio, e para isso consegue o apoio de Luís XIV. Após, muito impasse e violência, Luís XIV vêm a falecer em 1715, não solucionando a questão.
Quanto o protestantismo, Luís XIV usou uma repressão sistemática. Foi preciso reduzi-los e submetê-los as leis comuns do reino, além de uma intensa onda de proibições. Depois disso, era necessário impedir a sua propagação e atrair os convertidos do protestantismo para o catolicismo.
Haverá um êxodo maciço dos protestantes, que não aceitavam as imposições, até que em 1713, desenvolve-se os primeiros sinais da prática clandestina desta religião. Tudo isso demonstra a resistência do jansenismo e do protestantismo.
Nota-se portanto que Luís XIV utiliza da religião para legitimar seu poder absoluto, uma vez que o rei absoluto considerava-se representante de Deus, e para isso utilizarão muitas vezes a força para propagar a sua fé. Jacques Bossuet (1627-1704) diz que o rei é um homem predestinado por Deus para assumir o trono e governar toda a sociedade. O que faz sentido em uma de suas frases, que se tornaria lema do Estado Absolutista: “Um rei, uma fé, uma lei”.
Quanto à cultura, muito de seu desenvolvimento deve-se ao seu soberano. Ele entendia que o poder real devia intervir nas artes para celebrar as glórias do rei e funcionar como propaganda de seu reinado. Os grandes autores recebiam muito apoio e a própria construção de Versalhes, que tinha investimentos comparados a um ano de manutenção de seu exército, o que favoreceu a irradiação da cultura “clássica” francesa, sendo exemplo para toda Europa.
Deve, ainda, um príncipe mostrar-se amante das virtudes, dando oportunidade aos homens virtuosos e honrando os melhores numa arte. [...]. Ademais, deve, nas épocas convenientes do ano, distrair o povo com festas e espetáculos. E, porque toda cidade está dividida em corporações de artes ou grupos sociais, deve cuidar dessas corporações e desses grupos, reunir-se com eles algumas vezes, dar de si prova de humanidade e munificência, mantendo sempre firme, não obstante, a majestade de sua dignidade, eis que esta não deve faltar em coisa alguma. (MAQUIAVEL, 1515, apud GARCIA, 2006, p.47).
Luis XIV adota o titulo de Rei-Sol ao dizer "O Estado sou eu". E ele realmente personifica isso. |
Outro ponto que se deve ser levada em consideração é a relação do rei com a burguesia e a nobreza. Há um ponto que Antônio Manuel Hespanha aponta do conflito que se tem entre essa burguesia e nobreza, e o monarca absoluto deve aparecer como arbitro desse conflito, explicando seu poder.
A nobreza rodeava Luís XIV literalmente. O palácio de Versalhes foi construído com a finalidade de abrigar a nobreza francesa. O cardeal Mazarin entende esse movimento e atribui a imagem do Sol ao rei, como seu emblema. Hespanha coloca o papel e importância da nobreza no reinado de Luís XIV.
Mas já os contemporâneos de Luís XIV sabiam bem como eram aqueles freqüentes e até típicos os casos em que os membros de uma mesma família ocupavam cargos militares, judiciais- administrativos e de corte, é como eram fortes os laços que uniam famílias nobres cujos antepassados nos sécs. XIV e XV tinham sido mercadores ou cavaleiros. (HESPANHA, 1950, p. 100)
A burguesia vai ser importante no papel de administrativo e político, garantindo a centralidade e o controle do Estado.
A burguesia não subordinou, de nenhuma forma, à monarquia: pelo contrário, foi a monarquia que se subordinou a ela, assim como as outras classes. (HESPANHA, 1950, p.98)
Perry Anderson coloca que o intuito da construção de Versalhes e o abrigo da nobreza (1682), auxiliou no divórcio do poder de domínios territoriais.
A eficácia administrativa desse sistema relativamente rígido, mantido coeso pela incansável atividade do próprio Luís XIV, era muito maior que a da incômoda parafernália conciliar do absolutismo Habsburgo na Espanha, com sua disposição semiterritorial e as suas intermináveis ruminações coletivas. (ANDERSON, 1989, p.100)
O intuito de demonstrar as características dos vários setores da administração e do comportamento da sociedade no reinado de Luís XIV, é mostrar o quanto tudo girava em torno do próprio rei. Ele é o que agregava tudo para si, havendo uma fusão entre rei e Estado. É a ele que se atribui a frase: L’ État c’ est moi ( O Estado sou eu ). É importante se atentar que as características aqui apontadas demonstram os pontos fundamentais e evidentes do Estado Absolutista, que auxiliarão na constituição do Estado moderno atual.
Nesta concepção, as guerras externas surgem como o factor essencial e mais importante na formação da monarquia absoluta. Elas permitiam ao rei a manutenção de fortes exércitos permanentes e o lançamento de vários impostos sem o consentimento dos seus súbditos. [...]. A tese sobre o papel das finanças é examinada com particular detalhe. A guerra e a presença de poderosos exércitos de mercenários exigiram a criação de uma administração (que, por sua vez, reforçou o poder do monarca) e suscitaram uma atenção especial para com os problemas econômicos e sociais. [...]. Apenas o poder de Estado podia criar condições favoráveis à acumulação de capital (na qual se tornou parte interessada para a expansão dos seus próprios lucros); apenas o Estado podia conceder à burguesia uma posição social privilegiada. (HESPANHA, 1950, p.102-103)
Como se pôde ver, a busca de dilatação e incorporação de territórios, uma administração centralizada e o fortalecimento do poder monárquico, características do absolutismo, se tornaram evidentes em Luís XIV, explicando a corporificação do poder. É interessante notar, que Luís XIV vai se empenhar mais nos momentos históricos que passam junto ao Antigo Regime, como a política econômica de Colbert, a influência protestante e jansenista, o florescimento da cultura “clássica” francesa, a centralização do Estado e o fato de colocar toda a nobreza em Versalhes, mantendo-a ao seu redor. Tudo isso demonstra os problemas que surgiam em meio de um momento de crise, e Luís XIV vai buscar formas de sanar justamente esses pontos. O que faz dele, um dos governos mais notáveis de toda a Europa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário