Por Felipe Nogueira Monteiro
Manifestação pela renúncia de Mubarak na Praça Tahrir, Egito 2011.
Após uma guerra civil que vitimou 50 mil pessoas na Líbia, mais um ditador cai no mundo árabe: o coronel Muammar Kadafi, há 42 anos no poder. A onda de protestos que varre o mundo árabe desde dezembro de 2010, já derrubou os ditadores da Túnisia, Egito, Líbia e ameaça os governos autocratas da Síria e do Iêmen, além dos inúmeros protestos localizados nos demais países do mundo árabe. Mas, como isso tudo começou? LEIA MAIS!
No dia 17 de dezembro de 2010, na Tunísia, o jovem Mohamed Bouazizi, que trabalhava como vendedor de frutas, ateia fogo a si mesmo na cidade de Sid Bouazid, em protesto à polícia que havia confiscado sua licença de funcionamento de seus estabelecimento no mercado local, evidenciando as altas taxas de desemprego e insatisfação social do país. Ele vem a falecer em 4 de janeiro de 2011, tendo seu funeral sendo acompanhado por milhares de pessoas. Já é o suficiente para a organização de uma agitação social e revolta coletiva sem precedentes. Nasce a Revolução dos Jasmins (jasmim representa a tolerância), que leva a renúncia de seu ditador, Zine AL-Abidine Ben Ali, após 23 anos no poder, no dia 14 de janeiro. As primeiras eleições ocorridas na Primavera Árabe ocorrem neste país, em outubro de 2011, divididas entre facções políticas islâmicas moderadas e grupos secularistas. Num primeiro momento, o objetivo é formar uma Assembléia Constituinte e elaborar uma nova Constituição.
A partir do dia 25 de janeiro, influenciados pelas ondas de protesto na Tunísia, manifestações contra o regime de Hosni Mubarak, há 30 anos no poder, começam a aflorar e tomar as ruas. Medidas repressivas começam a ser tomadas e Exército é acionado para conter os manifestantes que ficaram na Praça Tahrir. Os egípcios clamam por uma democracia real, sem eleições fraudulentas. Após 18 dias de protestos, Hosni Mubarak renuncia e o Exército assume o poder, liderando a transição para a democracia.
Em 24 de fevereiro, os protestos começam na Líbia, que são cruelmente reprimidos pela Força Aérea líbia, com autorização de Muammar Kadafi. Bombardeios contra população civil que protestava pacificamente causa indignação dentro do país e do governo, levando as primeiras deserções. Esses desertores constituíram o Conselho Nacional de Transição (CNT) na cidade de Benghazi, a leste de Tripoli, a capital do país. Benghazi torna-se capital do movimento rebelde, onde se organiza a oposição política a Kadafi. Com boa parte do Exército regular do lado dos rebeldes (Kadafi o enfraqueceu em 1969 temendo que sofresse um golpe semelhante ao que aplicou), Kadafi constitui uma força paramilitar e de mercenários de outros países para combater as forças rebeldes de Benghazi.
Com o sucesso inicial das forças de Kadafi e a derrota iminente das forças rebeldes, a comunidade internacional (ONU) autoriza o uso de forças militares em uma zona de exclusão aérea (caças da coalizão da ONU tem autorização para abater caças líbios). A operação Odissey Down (Odisséia do Amanhecer), uma coalizão formada por França, EUA e Reino Unido minam as forças terrestres de Kadafi. As forças rebeldes, desorganizadas e sem uma liderança forte, avançam pouco. No dia 23 de março, o Reino Unido anuncia que a Força Aérea líbia foi aniquilada. Em agosto de 2011, após avanços e revezes, os rebeldes chegam as portas da capital do país. Tem início a Batalha por Trípoli, vencida pelos rebeldes, onde haviam tomado a TV estatal, a famosa Praça Verde (símbolo da ditadura Kadafi e agora renomeada Praça dos Mártires) e a fortaleza Bab Al-Aziziya, residência oficial de Kadafi. Entre os dias 17 e 20 de outubro, caem nas mãos rebeldes, cidades de Ban Walid e Sirte, os últimos redutos fiéis a Kadafi. Alias, vale lembrar, que foi durante essa batalha que Muammar Kadafi e seu filho Mutassim, foram capturados e mortos pelas forças do Conselho Nacional de Transição Líbio (CNT). Em 24 de outubro de 2011, foi declarado o dia oficial de libertação da Líbia, diante de festa e temor pelo futuro incerto.
Tomada da fortaleza Bab Al-Aziziya. É o fim da Batalha de Trípoli. |
Tomada final de Sirte, ultimo reduto fiel a Kadafi, na Líbia. Nesse dia, Kadafi e seu filho Mutassin, foram capturados e mortos pelas forças rebeldes.
Na Síria, o estado mais repressivo do mundo árabe está sob protestos, pedindo reformas políticas ao presidente Bashar Al-Assad. Até o momento, 2200 pessoas morreram nos protestos. Já houve destituições e a sede do partido Baath foi incendiada. A Síria esta sob estado de emergência, o que dá ao presidente poder de censurar, banir do país e convocar eleições. No Iêmen, há 32 anos no poder, Ali Abdulah Saleh, concede benefícios a juventude revoltosa e anuncia que permanecerá no poder até 2013, sem se reeleger. A repressão tem sido excessiva, sendo decretado estado de emergência no país. Seu governo encontra-se acuado e isolado, e importantes deserções no Exército e na diplomacia do país. Desde o dia 28 - 03, já se discute um processo de transição.
As principais motivações das revoltas no mundo árabe são: luta por democracia e o fim de regimes corruptos (autocracias), busca por resolução de problemas sociais, como desemprego e melhores condições de vida e mais liberdade de expressão e espaço as minorias. Facebook, YouTube e Twitter tiveram fundamental importância na articulação e coordenação dos movimentos sociais, principalmente entre jovens. Pode se afirmar que este é o primeiro evento histórico articulado com apoio de redes sociais virtuais.
Charge de Carlos Latuff
Diante desse cenário de transformações e mudanças profundas, vale salientar o pensamento de Sami Naïr, sociólogo e filósofo, professor de Ciências Políticas na Universidade Paris VIII, presidente do Instituto Magreb-Europa da mesma Universidade.
“As pessoas se deram conta que quem tinha medo era o poder. (...) O mais importante nestas revoltas é a vitória do imaginário que significa que transformaram a relação com o poder: agora são os ditadores que devem temer os povos. (...) Mas o que sabemos, e isso já foi percebido pela população, é que os poderes podem mudar quando os povos querem mudar suas condições de vida e ousam enfrentar o poder para escolher seu próprio destino.”
É importante atentarmos ao que Robert Baer, ex-agente da CIA, em uma entrevista chama a atenção para a importância geopolítica do Oriente Médio e do mundo islâmico. O mundo ocidental (EUA e Europa principalmente) é fortemente dependente do petróleo para mover a economia de sua sociedade. As principais reservas petrolíferas do mundo estão no Oriente Médio e dos principais países do mundo islâmico, uma área altamente instável políticamente: Arábia Saudita invade o Bahrein, com o objetivo de conter as manifestações populares; o Iraque sem ainda um comando claro e o fortalecimento do Irã na região, o papel de Israel, além do futuro incerto das nações que depuseram seus ditadores (Egito, Tunisia e Líbia). É constante a ação de terroristas no ataque a refinarias, como a Al Qaeda realizou a refinaria de Abqaiq, a maior do mundo, na Arábia em 2006, a fim de desestabilizar o mundo ocidental. A dependência do petróleo dessa região pode acarretar problemas catastróficos ao mundo ocidental, uma situação que não se vira desde o final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Em síntese, conclui-se que as revoltas árabes constituem um período de transformações no mundo árabe, pois boa parte da população despertou e se conscientizou que o poder habita no povo, e não nos ditadores, fazendo referência a Declaração de Direito do Homem e Cidadão. O homem pode transformar a sua realidade, a partir do momento que decide fazê-lo. Esses povos buscam a democracia, mas o futuro revela-se incerto a longo prazo. Mas o primeiro passo em busca de uma democracia real e representativa, de acordo com os anseio do povo, já foi dado.
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