sábado, 5 de novembro de 2011

10 anos do 11 de setembro de 2001: Qual o seu legado?

Enquanto a torre Norte do World Trade Center arde em chamas,
segundo avião se prepara para colidir com a torre Sul. 2001.

Os atentados de 11 de setembro realmente mudaram o curso da História. Com o fim da URSS, os EUA estavam consolidados como superpotência mundial, e isso fica bem nítido pelos filmes de Hollywood (como Independence Day  1996 – nada é páreo a supremacia norte-americana a não ser a ameaça externa, extraterrestre) e termos de alguns autores como “fim da História” de Francis Fukuyama, com o triunfo final do capitalismo ante ao socialismo e o fascismo do século XX. Mas em 2001, tudo foi alterado. Numa bela manhã de terça-feira, 11 de setembro, a história conhecida e vista por todos, transformava as relações e posturas políticas, econômicas e sociais. É tão profundo essa relação que sempre vem em mente: O que fazia em 11 de setembro de 2001? LEIA MAIS!
É sabido sobre os aviões e a luta pela sobrevivência, a agonia das vitimas, a imagem das torres desabando, o olhar desacreditado ao ver aquela situação, as pessoas empoeiradas e os sobreviventes buscando entendimento diante da situação, mas o importante a se observar é: 10 anos se passaram, e o que o 11 de setembro gerou de transformações nesse período?
É importante atentarmos que o 11 de setembro foi o estopim de um conjunto de situações e contradições históricas que ocorriam no mundo e nos próprios EUA. Mesmo que os EUA nos passasse a idéia de superpotência triunfante, o país estava entrando em uma importante contradição social e de fundo religioso, em contraposição ao período histórico dos anos 60, em que se tem uma geração mais efervecente e revoluciona os costumes. Essa vertente social, nacionalista e religiosa encontra-se, em parte, corporificada no Partido Republicano, e principalmente, fica nítido na eleição de George W. Bush em 2001. Os republicanos tem uma forte tendência conservadora, e isso nos ajuda a entender a muito da situação atual dos EUA. O 11 de setembro somente tornou mais aparente e mais atuante o radicalismo republicano, facilitando e tornando mais rígido a atuação do governo Bush pós-atentados. Um exemplo a ser citado é a aprovação, pelo Congresso norte-americano, do USA Patriotic Act, aprovado em 26 de outubro de 2001, onde dá direito ao governo a invadir lares, espionar cidadãos, interrogar e torturar suspeitos por terrorismo, sem direito a julgamento e defesa, além de todo ato contra o governo ser considerado um ato terrorista (situações conhecidas na prisão de Guantanamo, Cuba, e prisões militares norte-americanas no Iraque). Em nome da segurança, foram removidas as liberdades civis.
Num primeiro momento, a postura autoritária de Bush dá a primeira perda de oportunidade dos EUA: ao serem atingidos pelo terrorismo, as guerras dos EUA causaram muito mais vitimas em países como Afeganistão e Iraque. Parte-se da idéia de que a violência do terrorismo só poderia ser controlada pela violência do Estado, por meio de guerras. É o terror com terror (idéia de vingança), quando deveria ser um momento exemplar de união do país diante da tragédia.
Em contrapartida, os democratas (Obama) representam a inovação e a racionalização. Percebe-se que Obama tenta corrigir os rumos do país pós-Bush, ao reduzir os efetivos militares no Iraque e Afeganistão e conter os prejuízos econômicos das atuais crises. Diante desse radicalismo republicano (que mais tenta desmoralizar Obama do que fazer um candidato forte), de certa forma, arruína os valores da verdadeira democracia, que preconiza o debate saudável e o convívio político visando o bem comum. Obama tem o desafio de governar sabendo lidar nesta “casa dividida”.
Se de um lado, temos os EUA nessa situação, no mundo árabe temos também essas mudanças. Gostaria de focar especialmente no papel de Bin Laden. Durante a década de 80, o saudita Bin Laden, estava engajado na luta contra a invasão soviética no Afeganistão e recebeu recursos norte-americanos nessa luta. Com a expulsão dos soviéticos, surge o seguinte raciocínio: se expulsamos uma superpotência (URSS) por que não destruir outra (EUA)? E isso se agrava quando tropas dos EUA se instalam na Arabia Saudita durante a Guerra do Golfo (1991). A Arabia havia rejeitado a ajuda de Bin Laden contra uma possível invasão iraquiana e aceitou ajuda dos EUA. É a partir dai que os EUA passam a ser vistos como “infiéis em terra santa” na interpretação fundamentalista.
Os atentados em si causaram uma idéia de “sangramento” moral e drenagem de recursos do país. Combater o terrorismo e manter a segurança do país, as guerras do Afeganistão e do Iraque, geraram custos exorbitantes ao governo norte-americano, levando a uma das causas da atual crise da dívida dos EUA em 2011 (10% da dívida é segurança nacional).
“A falta de parcimônia em tempos de paz impõe a necessidade de contrair débito em tempos de guerra. Quando vem a guerra, não há dinheiro no tesouro senão o que é necessário para as despesas ordinárias  dos negócios de paz. [...] Nesta contingência, o governo não tem outro recurso senão emprestar.” (SMITH, p.396)
E em falar em guerras (Guerra ao Terror), elas se desencadearam no Afeganistão (2001) e no Iraque (2003).  O primeiro alvo é o Afeganistão, conhecido como “túmulo de impérios”, pois o país não se rendeu as ocupações de Alexandre, o Grande (séc. IV aC); ao mongol Gengis Khan (séc. XII), ao império britânico (séc. XIX) e a União Soviética (1979-1989). É importante observarmos os motivos principais desse combate ao terror, notemos: no Afeganistão em 2001, foi a primeira resposta dos EUA aos possíveis protetores dos terroristas do Al-Qaeda. Podemos observar isso no discurso de Bush em 20 de setembro de 2001.
“Em 11 de setembro, inimigos da liberdade cometeram um ato de guerra contra nosso país. Os americanos já conheceram guerras -mas, nos últimos 136 anos, foram guerras em solo estrangeiro, exceto num domingo em 1941. Os americanos sofreram perdas em guerras -mas não no centro de uma grande cidade numa manhã tranqüila. Os americanos conheceram ataques surpreendentes -mas nunca anteriormente contra milhares de civis.
Tudo isso caiu sobre nós num único dia -e a noite caiu num mundo diferente, um mundo no qual a liberdade está sendo atacada. [...] As pistas que mealhamos nos dirigem a uma coleção de organizações terroristas difusas chamada Al Qaeda.” (BUSH, 2001)

“Os EUA respeitam o povo do Afeganistão -somos atualmente sua maior fonte de ajuda humanitária-, mas condenamos o regime do Taleban. Ele não apenas reprime seu próprio povo mas também ameaça pessoas em todos os lugares ao patrocinar, abrigar e fornecer terroristas. Ajudando assassinos, o regime do Taleban comete assassinatos. E, hoje à noite, os EUA fazem as seguintes exigências ao Taleban: Entregar às autoridades americanas todos os líderes da Al Qaeda que se escondem em seu território. Libertar estrangeiros -incluindo cidadãos americanos- que vocês prenderam injustamente e proteger jornalistas estrangeiros, diplomatas e pessoas que trabalham com ajuda humanitária. Fechar imediatamente e permanentemente todos os campos de treinamento de terroristas existentes no Afeganistão e entregar todos os terroristas e todas as pessoas que os apóiam as autoridades competentes. Dêem aos Estados Unidos acesso total aos campos de treinamento terrorista para que possamos verificar se eles não estão mais em operação. Essas demandas não estão abertas a negociação ou discussão. O Taleban deve agir e agir mediatamente. Eles vão entregar os terroristas ou eles vão compartilhar sua sina.” (BUSH, 2001)
           
            No Iraque em 2003, a motivação fica mais obscura. A idéia era investigar e destruir armas de destruição em massa que o país possivelmente possuía. Coisa que nunca ficou comprovada. Desde 2001, os EUA buscam uma justificativa para invasão do Iraque, só se necessitava do pretexto, coisa que veio com o 11 de setembro, mesmo não havendo a devida ligação. Usava-se a idéia de que o Iraque fazia parte do “Eixo do Mal”, junto com Coréia do Norte e Irã.
 Geopoliticamente, a intenção de Bush era instalar um governo democrático e um modelo de liberdade no país que desse exemplo aos demais países da região, além de reafirmar o poder militar norte-americano (arranhado desde o ataque ao Pentagono), uma vez que o exército iraquiano era o mais poderoso da região. Esse conjunto de guerras (guerra ao Terror) desestabilizou o Oriente Médio: o fim do regime de Saddam Hussein fortaleceu o Irã (que abriga e facilita a ação de terroristas), e a guerra do Afeganistão desestabilizou a fronteira com o Paquistão (Osama Bin Laden estava escondido nessa região), lembrando que o pais é uma potência nuclear ao lado de outra (a India) e é ameaçado por fundamentalistas. Adicione ai a “Primavera árabe” que não tem a ver com EUA e Al-Qaeda, mas ajuda na desestabilização. Lembrando que boa parte do petróleo, que vai para o Ocidente, provêm dai.
                Muito se fala que a Guerra do Iraque está ligado a questão econômica (petróleo), mas há algo a se pensar: O Iraque hoje tem mais negócios com a Turquia (US$ 15 bilhões), Itália (US$ 5,5 bilhões) e França (US$ 4 bilhões) e os EUA tem US$ 2 bilhões. A exportação petrolífera do Iraque tem diminuído para os EUA, de 795 mil barris em 2001 para 450 mil barris em 2009. Só uma empresa norte-americana explora o petróleo iraquiano (Exxon Mobil). Saldo final das guerras: Afeganistão (1.600 americanos e 12.000 civis mortos) e no Iraque (4.400 americanos e 125.000 civis mortos). Será que as motivações pagam o custo?


Queda de estatua de Saddam Hussein em Bagda, Iraque.
A guerra do Iraque tinha muito mais interesses econômicos
e geopolíticos do que propriamente “Guerra contra o Terror”.
 
É importante lembrar que a idéia de superpotência hegemônica dos EUA tem se esvaído, uma vez que o terrorismo revelou a vulnerabilidade do Homeland (terra natal, o país)e isso se reflete nas relações políticas e econômicas. Enquanto os EUA se preocupavam com segurança interna, a China gerava empregos. Isso faz os EUA repensarem suas atitudes em relação ao mundo: de país que influencia ao mundo a que agora compartilha decisões. Isso se torna nítido na recente intervenção militar na Líbia, onde a coalizão que intervinha no país era comandada principalmente por EUA, Reino Unido e França. O unilateralismo dá lugar ao multilateralismo, a soberania compartilhada.

                É interessante lembrar os simbolismos: o WTC e o Pentagono representam o poder econômico e militar dos EUA, pilares de crença da superpotência. Lembro-me das promessas do século XXI,  de prosperidade e tecnologia, avanços científicos, enfim, um período diferente do século XX (que passou pelo terror das guerras mundiais e da ameaça nuclear da guerra fria). Interessante é que no inicio do século XX, também tinha essa promessa de prosperidade na Belle Époque, corporificado no RMS Titanic, um transatlântico que tinha os principais avanços tecnológicos, luxo e ostentação, mas afunda na viagem inaugural, surpreendendo a todos. O resto,  a gente já conhece. No século XXI, já temos duas guerras, crises econômicas e ameaças climáticas, entre outros problemas globais e regionais.
                O terrorismo inaugura uma nova face na política e na sociedade mundial. Um espiral de incertezas e de extrema busca por segurança (veja procedimentos em aeroportos) torna-se cada vez mais latente. Em nome da segurança, abre-se mão da privacidade e muitas vezes da própria liberdade. O novo inimigo dos EUA não é ligado ao III Reich alemão ou os soviéticos, mas não tem rosto, nem nação, nem identidade, está em todos os lugares e se perde a cabeça, outras nascem no lugar: o fundamentalismo islâmico (e não o islamismo). A morte de Bin Laden não foi simplesmente da pessoa, mas da idéia que não prevaleceu (mesmo que haja divergências). Como disse e volto a reinterar, os atentados a Nova York e Washington inaugurou uma era de incertezas e não-permanências. Nunca ficou tão evidente que o que pode ser hoje, pode não ser mais amanhã. Quem poderia imaginar que duas torres e toda uma vizinhança poderia desaparecer de uma hora para outra, em uma ação espetacular e inesperada?
                O ideal de Bin Laden triunfou nestes dez anos? Se observarmos bem, não. E as revoltas árabes são prova disso. Países como Tunísia, Egito, Líbia, entre outros clamam e colocam-se a caminho da democracia, principal valor do Ocidente e longe da idéia de um Estado islâmico como desejam os fundamentalistas. Mesmo no Iraque e nos países arabes, os islâmicos passaram a rejeitar o projeto fundamentalista e combater a idéia de que “todo o islâmico é terrorista”, nem que para isso contribuam com os norte-americanos. É interessante pensar que é algo próprio dos povos árabes: não há influências dos EUA ou do Al-Qaeda.
A Al-Qaeda encontra-se debilitada, pois muitos de seus comandantes estão mortos ou presos, sem contar as bases destruídas, mas na está morta. Mas nada impede que esses grupos terroristas continuem arregimentando jovens para o terrorismo, bastando uma boa retórica. Afinal, a morte de Bin Laden fez dele um “martir” da causa do fundamentalismo, daquele que morreu pela “guerra santa” contra os “infiéis na terra santa” (norte-americanos). 


Manifestações populares pela renúncia do ditador Hosni Mubarak,
em fevereiro de 2011. A Primavera árabe é uma demonstração de
que a busca pela democracia é o “antídoto” contra a expansão do
 fundamentalismo e do terrorismo.
 
Os EUA hoje encontram-se unidos quando se observa cerimônias como a desse ano, no Marco zero. É a cicatriz da lembrança, da ausência do ente querido, mas também, uma forma de ritualizar e tentar diminuir a dor. Uma geração que cresceu pós-11 de setembro já tem no corpo e na alma as cicatrizes dos atentados: os sobreviventes com traumas, bombeiros e enfermeiras com problemas respiratórios, os mutilados das guerras ao Terror, entre outros. Assim como Pearl Harbor (1941) e no assassinato de Kennedy (1963), os EUA sofreram o golpe e buscaram se recuperar. Com o 11 de setembro não deverá ser diferente. É necessário recuperar a economia, gerar empregos e reconquistar a confiança do mundo e dos mercados.

Em síntese, nesses 10 anos que se passaram dos atentados ao WTC e ao Pentágono, se reforçou ainda mais a idéia de não-permanência e que realmente o processo histórico tem ganhado novas situações e personagens, muito longe daquilo que se esperava. Algumas de nossas “verdades definitivas” se esvaíram junto com a fumaça emanada pelas ruínas do WTC. O 11 de setembro é um fruto de seu tempo, resultante das contradições sociais, políticas e econômicas, que ninguém poderia esperar que ganhasse essa dimensão. Mudanças geopolíticas profundas tem se organizado de maneira intensa: do unilateralismo  passa-se para o multilateralismo, mas há também desorganizações políticas, como no Oriente Médio. O 11 de setembro terá mais desdobramentos políticos daqui a 15, 20 ou 25 anos, mas nunca se apagará a perda daqueles que vivenciaram a tragédia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

·         FOLHA DE SÃO PAULO, Discurso de Bush ao Congresso dos EUA no dia 20 de setembro, São Paulo, 21 de setembro de 2001.

·         FOLHA DE SÃO PAULO, Bin Laden fez notícia, mas não história. São Paulo, 12 de setembro de 2011.

·         GIANINI, Tatiana. Guerra necessária, Guerra contestada. In revista Veja, São Paulo, ano 44, n 36, setembro de 2011, p.128 -131.

·         GOMES, Luis Marcos. O fim da História ou a ideologia imperialista na Nova Ordem Mundial, acessado em <http://www.culturabrasil.org/fukuyama.htm> e disponível em 12 de setembro de 2011.

·         LIMA, José Antônio. O futuro do terror depois de Bin Laden. In revista Época, n 677, maio de 2011.

·         SCHELP, Diego. Um prefácio ao horror. Revista Veja, São Paulo, ano 44, n 36, setembro de 2011, p.107

·         SMITH, Adam. Riqueza das Nações. São Paulo, SP, edição condensada (Folha de São Paulo), volume 4, 2010.

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